O USO DE NITRATOS NO ESPORTE

Angela Zanatta Perucchi – Nutricionista Esportiva

3/7/20259 min read

Ao mencionar o termo “vasodilatadores”, é comum as pessoas pensarem no aumento do calibre dos vasos sanguíneos, ou seja, a vasodilatação com o propósito de realçar a estética muscular. Porém, quer uns gostem e outros não, o uso desses compostos não tem por objetivo o apelo estético.

Na perspectiva da vasodilatação, o nitrato (NO3) quando consumido por meio da dieta ou suplementação, é metabolizado a nitrito (NO2) e, posteriormente, a óxido nítrico (NO), que corresponde a um gás que aumenta a perfusão sanguínea (1).

De forma detalhada, o objetivo é que o nitrato seja utilizado para geração de óxido nítrico na circulação sanguínea. O nitrato dietético é facilmente absorvido do estômago e intestino delgado proximal para o sangue e se mistura com nitrato derivado de NO. Embora grande quantidade do nitrato ingerido (65-70%) seja excretado na urina, parte dela (25%) acumula-se na saliva após a absorção ativa pelas glândulas salivares. Este nitrato é rapidamente reduzido a nitrito por bactérias presentes na cavidade oral, e parte dele é absorvido no intestino e entra na circulação sistêmica.

Cabe salientar um estudo que submeteu sete voluntários a enxaguarem a boca com antisséptico após consumirem nitrato dietético. Foi verificado que o produto aboliu a conversão de nitrato em nitrito na saliva e reduziu significativamente o aumento do nitrito plasmático. Assim, torna-se importante alertar pacientes e atletas para evitarem higienizar os dentes com antisséptico e próximo a refeição rica em nitrato. Para que haja a conversão, o ideal é um intervalo de 60 a 90 minutos (8).

Uma vez elucidada a farmacocinética do nitrato, um estudo em animais descobriu que o suco de beterraba (fonte de nitrato) aumentou o fluxo sanguíneo e, portanto, o fornecimento de oxigênio para os músculos que estão sendo usados (principalmente fibras de contração rápida) durante as condições de hipóxia.

Ambientes de acidose e hipóxia encontrados durante o exercício físico, com baixa disponibilidade de oxigênio, favorecem a conversão de nitrato em óxido nítrico na circulação.

Essa descoberta acendeu a possibilidade de utiliza-lo previamente ao exercício com o intuito de aumentar a chegada de nutrientes e oxigênio no músculo esquelético, otimizar a recuperação muscular e, consequentemente, melhorar o desempenho esportivo.

Exercício

Esse mecanismo de vasodilatação provocado pelo nitrato (via NO), apresenta repercussões positivas que, por sua vez, podem trazer benefícios na prática esportiva.

Um estudo (9) demonstrou que suplementação de nitrato (suco de beterraba) afetou positivamente a eficiência contrátil durante um exercício de extensão do joelho, reduzindo a quantidade de oxigênio, trifosfato de adenosina (ATP) e fosfocreatina necessária para produzir uma certa força, aumentando a eficiência neuromuscular e a tolerância ao esforço. A título de exemplo, se normalmente você “gasta” 100 ATP’s para produzir uma determinada força, consumir alimentos ricos em nitrato, teoricamente, reduziria a exigência para 65 ATP’s em exercícios de baixa intensidade e 72 ATP’s em alta intensidade.

Raciocinando bioquimicamente, sabe-se que as mitocôndrias necessitam de oxigênio para fazer ATP, logo, faz sentido pensar que reduzir a quantidade de ATP que você precisa para produzir força reduziria, por sua vez, o custo do oxigênio. Quanto menor a necessidade de ATP, menor a exigência dele para produzir a contração muscular ou para manter os níveis de cálcio sarcoplasmático que permitem que as contrações musculares ocorram.

Teoricamente, por esse raciocínio, reduziríamos a quantidade total de unidades motoras e/ou taxa de disparo necessária para gerar a mesma quantidade de força, uma vez que cada fibra muscular individual seria capaz de gerar uma força maior por contração.

Assim, para elucidar os possíveis benefícios da suplementação, uma meta-análise com 54 estudos investigou como a suplementação de nitrato afeta o desempenho no exercício com base no nível de condicionamento físico de cada sujeito da amostra (10)

A amostra foi dividida em participantes destreinados e sedentários (Vo2max <45 mL/kg/min), participantes treinados recreativamente (Vo2max 45-54,9 mL/kg/min), participantes treinados (Vo2max 55-64,9 mL/kg/min), participantes altamente treinados (Vo2max 65-71 mL/kg/min) e atletas profissionais (Vo2max >71 mL/kg/min).

Os testes foram divididos em eventos de curta (< 3 minutos) e longa duração (> 3 minutos), subdivididos em “time trial”, tempo até a exaustão e aumento gradual de intensidade.

Os pesquisadores não encontraram benefícios significativos da suplementação de nitrato para os atletas, tanto quando analisados de maneira integral quanto ao direcionar aos testes de exercícios de curta e longa duração separadamente. Como a maioria dos participantes do estudo atlético eram ciclistas, os autores realizaram uma análise de subgrupo envolvendo apenas ciclistas. Mais uma vez, nenhum benefício significativo foi observado.

Em não atletas, observou-se que a suplementação de nitrato promove benefícios em eventos de longa duração. Assim, parece que os benefícios são mais significativos em indivíduos com o Vo2max abaixo de 54,9 mL/kg/min.

Pragmaticamente, esses achados sugerem que a suplementação de nitrato pode permitir que indivíduos menos treinados se exercitem por mais tempo até chegar a fadiga, enquanto indivíduos bem treinados que necessitariam de maior performance, provavelmente não experimentarão um benefício significativo.

Fontes e dose


Dado os seus benefícios no esporte, torna-se essencial conhecer as fontes alimentares de nitrato a fim de usufruir de seus benefícios ergogênicos.

O nitrato é encontrado em grande quantidade em alguns alimentos, sendo a beterraba a mais conhecida. Pode-se observar na tabela abaixo, que os vegetais folhosos verdes, repolho, rúcula, rabanete e alface, também possuem uma boa quantia de nitrato (e até mais). A beterraba possui em média 150mg de nitratos para cada 100g e a rúcula, 260 mg.












Tabela 1 Adaptada da tabela de LIDDER, WEBB (2013).

Vê-se que a beterraba, apesar de ser mais conhecida, não é o alimento que mais contém nitrato. Ocorre que grande parte dos estudos com nitrato a utilizam por praticidade, pois é mais fácil consumir 100g de beterraba que contém um volume menor, do que 100g de alface ou rúcula que são bem leves e consequentemente o volume para atingir a quantidade adequada é bem maior.

A forma de consumir a beterraba é indiferente pois a biodisponibilidade é alta tanto para o alimento cru quanto para o cozido.

A dose de nitrato, deve ser prescrita de acordo com o peso corporal. No estudo de Hoon et al. (2014) realizado com remadores, a dose de 6mg/Kg apresentou maiores resultados do que a de 3mg/kg. Anteriormente, a tese de Wylie e colaboradores (2013) já havia demonstrado que 3,5mg/kg apresentou diferença em relação ao placebo. Neste último artigo, analisaram a suplementação de três doses: 3,5mg/kg, 7mg/kg e 14mg/kg (e placebo). Como era esperado, quanto maior a quantidade de nitrato, maior a concentração plasmática de nitrato e nitrito. Porém, a pressão arterial com as doses de 7 e 14mg/kg foram igualmente efetivas, diferentes do grupo com 3,5mg/kg que, praticamente, não apresentou alteração. Conclui-se que, 7mg/kg é eficaz e doses mais elevadas parecem não apresentar benefícios adicionais. Recomenda-se cuidado com pacientes hipotensos, pois a pressão arterial poderá cair causando ainda mais desconforto, como fraqueza e cansaço.

Existem inúmeras pesquisas com o uso de nitrato e a dose média varia de 4 a 10mg/kg, ingeridas entre 90 e 150 minutos antes do treino. Assim, uma pessoa de 80kg que utiliza 6mg/kg de nitrato, vai utilizar 480mg e, se 100g de beterraba possui cerca de 100 a 150mg de nitrato, ela precisa consumir, em média, 480g entre 1h30min e 2h30min antes do treino.

No geral, a maioria dos estudos usou doses que variavam entre 300mg e 600mg. Esta faixa de dose está em concordância com a sugestão de um estudo(5) que salientou não verificar nenhum benefício fisiológico em doses abaixo de 300mg ou acima de 550mg.

O consumo do vegetal, pode ficar ao gosto de cada pessoa. O mais usual e prático é em forma de suco concentrado.

O efeito do nitrato, como todo vasodilatador é agudo. No máximo em duas horas e meia após ingerido, já se percebe sua eficácia. Apesar disso, estudos mostram que usar por mais de 3 dias consecutivos, proporcionará um efeito ainda maior.

Curiosidade....

Não é de hoje que o nitrato tem utilidade. No século XVI utilizava-se nitrato de potássio como diurético nos casos de edema, até que na década de 30, diuréticos alternativos se tornaram disponíveis (1).

No Brasil, a suplementação de nitrato não é legalizada, apenas sendo encontrada nos suplementos com beterraba em pó na sua composição. Estes podem auxiliar no desempenho, mas não se sabe exatamente qual o teor de nitrato para que se obtenha o efeito ergogênico, já que a dose é baseada pelo peso corporal, como veremos a seguir.

No Brasil é liberado o uso de nitrato de sódio em pó para produtos alimentícios. Porém, não é aconselhável usá-los pois as doses de nitrato são ínfimas (mg) e dificulta quantificar com exatidão. O excesso causa efeitos colaterais, como hipotensão. Os produtos embutidos como salame, bacon e mortadela, tem sempre em sua composição nitrato ou nitrito de sódio que são utilizados para aumentar a vida útil do alimento e, consequentemente, obter maior tempo de prateleira.

Ao mencionar a palavra “nitrato”, imediatamente, vem à mente a figura de bacon e/ou outros embutidos, como sendo ruins para a saúde. O nitrato do bacon e o nitrato da beterraba não possuem diferença, mas no contexto do alimento, sim. Ao consumir embutidos, em excesso, a interação de nitrato de sódio com aminas secundárias (subprodutos proteicos) presentes nesses produtos, gera a formação de nitrosaminas e, estas últimas, possuem efeito pro carcinogênico. Já o nitrato dos vegetais, conforme já mencionado, é metabolizado a óxido nítrico e aumentando a vasodilatação, logo sendo extremamente saudável.

Conclusão


A suplementação de nitrato é fácil, prática, barata e, de acordo com o último consenso de suplementos para melhora de desempenho (6), é classificado como nível A de evidência.

Segundo IOC Consensus Statement: Dietary Supplements and the High-Performance Athlete, a suplementação de nitrato foi associada a melhorias de 4 a 25% no tempo total até a exaustão e de 1 a 3% em desempenhos de Time trial com duração inferior a 40 minutos (Bailey et al., 2015; McMahon et al., 2016). Observa-se otimização na função das fibras musculares do tipo II (Bailey et al., 2015), resultando na melhora (3–5%) em exercícios de alta intensidade entre 12 e 40 minutos de duração (Thompson et al., 2015; Wylie et al., 2016).

Porém, as evidências são conflitantes para qualquer benefício em tarefas de exercício com duração inferior a 12 minutos (Reynolds et al., 2016; Thompson et al., 2016) e, sobretudo, o nível de condicionamento físico vai determinar a eficácia ou não no uso da suplementação.

Referências Bibliográficas

  1. LIDDER, Satnam; WEBB, Andrew J. Vascular effects of dietary nitrate (as found in green leafy vegetables and beetroot) via the nitrate‐nitrite‐nitric oxide pathway. British journal of clinical pharmacology, v. 75, n. 3, p. 677-696, 2013.

  2. FULFORD, Jonathan et al. Influence of dietary nitrate supplementation on human skeletal muscle metabolism and force production during maximum voluntary contractions. Pflügers Archiv-European Journal of Physiology, v. 465, n. 4, p. 517-528, 2013.

  3. SHANNON, Oliver Michael et al. Dietary nitrate supplementation enhances short but not longer duration running time-trial performance. European journal of applied physiology, v. 117, n. 4, p. 775-785, 2017.

  4. HOON, Matthew W. et al. The effect of variable doses of inorganic nitrate-rich beetroot juice on simulated 2000-m rowing performance in trained athletes. International journal of sports physiology and performance, v. 9, n. 4, p. 615-620, 2014.

  5. WYLIE, Lee J. et al. Beetroot juice and exercise: pharmacodynamic and dose-response relationships. Journal of applied physiology, v. 115, n. 3, p. 325-336, 2013.

  6. MAUGHAN, Ronald J. et al. IOC consensus statement: dietary supplements and the high-performance athlete. International journal of sport nutrition and exercise metabolism, v. 28, n. 2, p. 104-125, 2018.

  7. MCMAHON, Nicholas F.; LEVERITT, Michael D.; PAVEY, Toby G. The effect of dietary nitrate supplementation on endurance exercise performance in healthy adults: a systematic review and meta-analysis. Sports Medicine, v. 47, n. 4, p. 735-756, 2017.

  8. GOVONI, Mirco et al. The increase in plasma nitrite after a dietary nitrate load is markedly attenuated by an antibacterial mouthwash. Nitric oxide, v. 19, n. 4, p. 333-337, 2008.

  9. BAILEY, Stephen J. et al. Dietary nitrate supplementation enhances muscle contractile efficiency during knee-extensor exercise in humans. Journal of applied physiology, v. 109, n. 1, p. 135-148, 2010.

  10. Campos HO, Drummond LR, Rodrigues QT, Machado FSM, Pires W, Wanner SP, Coimbra CC. Nitrate supplementation improves physical performance specifically in non-athletes during prolonged open-ended tests: a systematic review and meta-analysis. Br J Nutr. 2018 Mar;119(6):636-657. doi: 10.1017/S0007114518000132. PMID: 29553034.